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Esteatose Hepática em Pessoas Magras: Um Olhar Detalhado sobre Um Problema Subestimado

Atualizado em: 29/07/2024
Tempo de Leitura: 9 minutos
Sumário

A esteatose hepática, comumente conhecida como fígado gorduroso, é uma condição caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura no fígado. Embora muitas vezes associada à obesidade e ao consumo excessivo de álcool, a esteatose também pode afetar pessoas magras, um fenômeno conhecido como doença hepática esteatótica associada a disfunção metabólica (DHEADM) em indivíduos com baixo índice de massa corporal (IMC). Este artigo explorará em profundidade a esteatose hepática em pessoas magras, abordando sua epidemiologia, sintomas, diagnóstico, fatores de risco, tratamento e oferecendo uma conclusão abrangente sobre o tema.

Introdução

A esteatose hepática é uma condição que vem ganhando cada vez mais atenção na medicina moderna, principalmente devido ao seu potencial para evoluir para doenças hepáticas mais graves, como a cirrose hepática e o câncer de fígado. Quando pensamos em esteatose hepática, a imagem que normalmente vem à mente é a de uma pessoa com excesso de peso ou obesidade. No entanto, a realidade é mais complexa e multifacetada. Pessoas magras também podem desenvolver esta condição, o que levanta questões importantes sobre os fatores de risco e os mecanismos subjacentes que contribuem para o acúmulo de gordura no fígado em indivíduos aparentemente saudáveis.

Epidemiologia da esteatose hepática

A doença hepática esteatótica associada a disfunção metabólica (DHEADM) é prevalente em cerca de 25-30% da população mundial. No entanto, estudos indicam que aproximadamente 10-20% das pessoas com DHEADM têm um IMC dentro da faixa normal, desafiando a crença de que apenas indivíduos com excesso de peso são afetados. Esse fenômeno é conhecido como "lean MASLD" (lean Metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease) ou esteatose hepática em pessoas magras.

A prevalência de esteatose hepática em pessoas magras varia entre diferentes populações e regiões geográficas. Por exemplo, é mais comum em populações asiáticas, especialmente na China e no Japão, onde a prevalência pode chegar a 15-20% entre os indivíduos com IMC normal. Fatores genéticos, dieta, estilo de vida e características metabólicas únicas dessas populações podem contribuir para essa variação.

Sintomas

A esteatose hepática, tanto em pessoas magras quanto em indivíduos com excesso de peso, geralmente é assintomática nas fases iniciais. Quando os sintomas ocorrem, eles tendem a ser inespecíficos e podem incluir:

  • Fadiga: Sensação constante de cansaço e falta de energia.
  • Desconforto abdominal: Sensação de peso ou dor no lado direito do abdômen.
  • Perda de apetite: Falta de vontade de comer, o que pode levar à perda de peso não intencional.
  • Náusea: Sensação de mal-estar estomacal.

Esses sintomas podem ser facilmente atribuídos a outras condições, o que muitas vezes retarda o diagnóstico. É importante que médicos considerem a possibilidade de esteatose hepática em pacientes magros que apresentam esses sintomas, especialmente se houver outros fatores de risco presentes.

Diagnóstico

O diagnóstico de esteatose hepática em pessoas magras segue os mesmos princípios do diagnóstico em indivíduos com sobrepeso ou obesidade. Envolve uma combinação de história clínica, exames laboratoriais e métodos de imagem.

História Clínica e Exames Físicos

O médico começará com uma revisão detalhada da história médica do paciente, incluindo o consumo de álcool, dieta, hábitos de exercício e qualquer histórico familiar de doenças hepáticas. O exame físico pode revelar sinais de hepatomegalia (aumento do fígado), mas na maioria dos casos, o fígado gorduroso não é detectável fisicamente nas fases iniciais.

Exames Laboratoriais

Os exames de sangue são essenciais para avaliar a função hepática e excluir outras causas de doença hepática. Os testes comuns incluem:

  • Aminotransferases hepáticas (ALT e AST): Níveis elevados podem indicar inflamação do fígado.
  • Gama-glutamil transferase (GGT) e fosfatase alcalina (ALP): Podem estar elevadas em doenças hepáticas.
  • Perfil lipídico: Inclui colesterol total, HDL, LDL e triglicerídeos.
  • Glicemia de jejum e HbA1c: Avaliação de resistência à insulina e diabetes.

Métodos de Imagem

Os métodos de imagem são cruciais para confirmar o diagnóstico de esteatose hepática. Os exames mais comumente usados incluem:

  • Ultrassonografia: Método não invasivo e amplamente disponível que pode detectar a presença de gordura no fígado.
  • Tomografia Computadorizada (TC): Pode ser usada para quantificar o acúmulo de gordura no fígado.
  • Ressonância Magnética (RM): Considerada o padrão-ouro para a avaliação quantitativa da gordura hepática.

Elastografia Hepática Transitória

A elastografia hepática transitória é uma técnica avançada que mede a rigidez do fígado, o que pode ajudar a avaliar o grau de fibrose hepática. Este exame é crucial para distinguir entre esteatose simples e esteato-hepatite com fibrose avançada. Existem duas principais modalidades de elastografia hepática transitória:

Elastografia por Ultrassonografia

  • Vantagens: É amplamente disponível, relativamente barata e não invasiva. Pode ser realizada rapidamente e é bem tolerada pelos pacientes.
  • Limitações: Sua precisão pode ser afetada pela obesidade e pela presença de ascite (acúmulo de líquido na cavidade abdominal). Além disso, a ultrassonografia pode não ser tão precisa quanto a ressonância magnética em certos casos.

Elastografia por Ressonância Magnética

  • Vantagens: Considerada mais precisa e menos influenciada pela presença de gordura ou líquidos abdominais. Pode fornecer uma avaliação mais detalhada da elasticidade e da presença de fibrose no fígado.
  • Limitações: É mais cara e menos disponível em comparação com a ultrassonografia. Além disso, o exame é mais demorado e pode não ser adequado para todos os pacientes, especialmente aqueles com claustrofobia ou implantes metálicos.

A escolha entre elastografia por ultrassonografia e por ressonância magnética depende de vários fatores, incluindo a disponibilidade do exame, as características clínicas do paciente e os recursos financeiros.

Biópsia Hepática

Em casos selecionados, uma biópsia hepática pode ser necessária para avaliar a extensão do dano hepático e confirmar o diagnóstico de DHEADM. Este procedimento é invasivo e geralmente reservado para casos em que há incerteza diagnóstica ou suspeita de progressão para esteato-hepatite ou cirrose.

Fatores de Risco

A esteatose hepática em pessoas magras pode ser influenciada por diversos fatores de risco, que podem ser genéticos, metabólicos, dietéticos e ambientais. Alguns dos principais fatores de risco incluem:

Fatores Genéticos

  • Histórico Familiar: Um histórico familiar de doenças hepáticas, diabetes ou condições metabólicas pode aumentar o risco de desenvolver esteatose hepática.
  • Polimorfismos Genéticos: Certas variantes genéticas, como a mutação no gene PNPLA3, estão associadas a um risco maior de DHEADM, independentemente do IMC.

Fatores Metabólicos

  • Resistência à Insulina: A resistência à insulina é um fator de risco significativo para a esteatose hepática, mesmo em indivíduos magros. Pode ser influenciada por uma combinação de fatores genéticos e estilo de vida.
  • Dislipidemia: Níveis anormais de lipídios no sangue, incluindo colesterol alto e triglicerídeos elevados, são comumente observados em pessoas com esteatose hepática.
  • Síndrome Metabólica: Mesmo em pessoas magras, a presença de componentes da síndrome metabólica (pressão alta, glicemia elevada, dislipidemia) aumenta o risco de DHEADM.

Fatores Dietéticos e Estilo de Vida

  • Dieta Ocidental: Uma dieta rica em gorduras saturadas, açúcares refinados e alimentos processados contribui para o desenvolvimento de esteatose hepática.
  • Sedentarismo: A falta de atividade física é um fator de risco conhecido para a acumulação de gordura no fígado.
  • Consumo de Frutose: O consumo excessivo de frutose, encontrada em refrigerantes e outros alimentos adoçados, está associado ao risco de desenvolvimento de esteatose hepática.

Fatores Ambientais e Outros

  • Microbiota Intestinal: Alterações na composição da microbiota intestinal podem influenciar o desenvolvimento de esteatose hepática.
  • Toxinas Ambientais: A exposição a certas toxinas e produtos químicos ambientais pode aumentar o risco de acúmulo de gordura no fígado.

Tratamento

O tratamento da esteatose hepática em pessoas magras envolve principalmente mudanças no estilo de vida e, em alguns casos, medicação. A abordagem é semelhante à utilizada para indivíduos com sobrepeso ou obesidade, com foco na redução do acúmulo de gordura no fígado e na prevenção de complicações.

Mudanças no Estilo de Vida

Dieta

Uma dieta equilibrada e saudável é fundamental para o manejo da esteatose hepática. Recomendações incluem

  • Redução de Gorduras Saturadas e Trans: Evitar alimentos fritos, fast food e produtos de panificação industrializados.
  • Aumento da Ingestão de Fibras: Consumir mais frutas, vegetais, grãos integrais e legumes.
  • Controle de Carboidratos: Reduzir o consumo de açúcares refinados e carboidratos de alto índice glicêmico.
  • Ingestão de Gorduras Saudáveis: Optar por gorduras monoinsaturadas e poli-insaturadas, encontradas em peixes, nozes, sementes e azeite de oliva.

Exercício

A atividade física regular é crucial para a saúde hepática. Recomenda-se pelo menos 150 minutos de exercício moderado a intenso por semana, como caminhadas rápidas, ciclismo ou natação. O exercício ajuda a reduzir a gordura no fígado, melhora a sensibilidade à insulina e contribui para a perda de peso, mesmo em indivíduos magros.

Medicações

Recentemente, o medicamento Resmetirom foi aprovado nos Estados Unidos da América especificamente para o tratamento da esteatose hepática não alcoólica. Algumas outras medicações podem ser usadas para tratar condições associadas, como diabetes tipo 2, dislipidemia e hipertensão, que podem contribuir para a melhora do quadro hepático. Entre os medicamentos estudados estão:

  • Pioglitazona: Um medicamento para diabetes que mostrou reduzir a gordura hepática em alguns estudos.
  • Vitamina E: Antioxidante que pode ajudar a reduzir a inflamação hepática.
  • Ácidos Biliares Sintéticos: Como o ácido obeticólico, que está sendo estudado para tratamento de DHEADM.
  • Resmetirom: Aprovado em março de 2024 pelo Food and Drug Administration dos EUA para pessoas com DHEADM e fibrose em estágio 2 ou 3 (mas não cirrose), juntamente com uma dieta saudável e prática regular de exercícios.

Monitoramento e Acompanhamento

O acompanhamento regular com um médico especialista em doenças do fígado é crucial para monitorar a progressão da doença e ajustar o tratamento conforme necessário. Exames de sangue periódicos e métodos de imagem podem ser usados para avaliar a resposta ao tratamento e detectar quaisquer complicações precocemente.

Conclusão

A esteatose hepática em pessoas magras é uma condição que desafia a noção tradicional de que o fígado gorduroso está associado apenas à obesidade. Embora a prevalência seja menor do que em indivíduos com sobrepeso, a DHEADM em magros representa uma parcela significativa dos casos e deve ser considerada pelos profissionais de saúde.

A identificação precoce e o manejo adequado são essenciais para prevenir a progressão para estágios mais graves da doença hepática.

Os avanços na compreensão dos mecanismos subjacentes à esteatose hepática em pessoas magras, bem como o desenvolvimento de abordagens terapêuticas eficazes, são áreas importantes de pesquisa. Enquanto isso, uma abordagem holística que combina mudanças no estilo de vida, controle de comorbidades e monitoramento regular oferece a melhor estratégia para a gestão desta condição.

Reconhecer a complexidade e a variabilidade da esteatose hepática é crucial para fornecer cuidados personalizados e eficazes, independentemente do IMC do paciente. Com o aumento da conscientização e a implementação de estratégias de prevenção e tratamento baseadas em evidências, é possível melhorar os resultados de saúde para todos os indivíduos afetados por esta condição.

Considerações Finais

A esteatose hepática é uma condição silenciosa que pode ter consequências sérias se não for tratada adequadamente. Em pessoas magras, muitas vezes passa despercebida devido à ausência de um fenótipo típico associado ao excesso de peso. Portanto, é essencial que tanto os profissionais de saúde quanto os pacientes estejam cientes dos fatores de risco e dos sinais e sintomas desta condição.

A educação sobre a importância de uma dieta equilibrada e atividade física regular, independentemente do peso corporal, é um passo importante na prevenção da esteatose hepática.

Além disso, o desenvolvimento contínuo de novos tratamentos e a realização de pesquisas aprofundadas sobre os mecanismos da doença em diferentes populações contribuirão para um melhor manejo e prevenção da esteatose hepática em pessoas magras.

Em resumo, a esteatose hepática em pessoas magras é uma questão de saúde pública que merece atenção e abordagem cuidadosa. A implementação de estratégias de detecção precoce e intervenções eficazes pode melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes e reduzir a carga das doenças hepáticas na sociedade.

Foto Dr Yuri Boteon
Dr. Yuri Boteon
CRM: 144.829/SP
RQE: 56131 - Cirurgia Geral
Médico da Equipe de Transplante de Fígado da Rede D’or. Professor da Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein e Professor do Departamento de Cirurgia da Universidade Santo Amaro.

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